Monday, October 30, 2006

Os tais mistérios e o mito

Os mistérios apagaram outros parágrafos de confissões.

O ar rareia e a verdade é que eu odeio cerveja.

O velho pacto com o diabo. Leva o corpo e me devolve o pescoço, mas o diabo nunca entrega, eu já devia saber.

No fim, nada é sobre o trabalho. São os fios enrolados no meu fígado, apertados de tal modo que nem sei como cheguei até aqui.

Parece cômodo, mas é tenso.

Você, meu escudo, eu tento empunhar. Fecho os olhos no escuro, e você me materializa. Elege. Separa. Define. Foca. Funda. E eu perco a voz.

Meu paraíso não é idílico _eu não tenho tantas esperanças. Mas eu visto um roupão vermelho. Ergo os braços para que você me vista a camiseta. Naquele mundo, há cabelereiro às 21h, eu tenho unhas feitas. Há café, torradas e arandálos.
- Con leche.
Você não sabe que eu gosto com leite, mas não importa mais. Cortada, coartada. Nunca se volta, nem pela pechincha de US$ 85. Se eu for, e você levar de volta o escudo. Nunca se volta.


+++

A dor maior é que nos meus sonhos é ele quem aparece. E outra eu. Meu corpo readquire peso, se projeta, é de uma sensualidade bruta. E eu me apóio no ombro dele como se não houvesse outro gesto a fazer, o gesto ancestralmente esperado. Eu cumpro o rito e me redimo.
Mas eu não acredito em redenção. Eu acredito em fuga.

sabotagem

Está voltando.

+++


É como uma rede de fios. A cada movimento, um novo me agarra, pegajoso. São falsas raízes. Prendem, mas não susentam. Mas a cada movimento, mais fios.

Um pressão imobilizadora. Eu sinto o avanço físico e concreto das mesmas idéias, as mesmas dores, a mesma instabilidade, a mesma instabilidade, a mesma instabilidade imobilizadora.

Aí, eu te uso como escudo. Sento no banheiro do bar _alguns minutos a mais não serão percebidos pela mesa. Se você existisse... Eu sentiria a mesma instabilidade, mas por alguns segundos eu só deitaria ao seu lado. E não dormiria, obviamente. Ficaria velando a sua realidade, suas pernas largas, a fortaleza. Eu te uso como escudo.

O dia segurando o choro. Me emocionando. Por algum motivo o espanhol me deixa mais confortável, como se yo estrenasse otra persona, con otras fragilidades. E aí vou ao banheiro, menstruei. E se o choro foi uma conjuntura desfavorável de hormônios? Eu odeio as dúvidas, os tais mistérios.

Wednesday, October 18, 2006

Humor negro ou notas

O corpo dele passeava pela cidade, entre paus e pedras. Os argentinos, como eu, disputam o homem morto.
Um teste para hispanohablantes aprendizes de português: Com poço, eu não posso.

+++

Quem tem humor é inteligente, dizia meu pai, apoiando a palhaçada.
- Como é mesmo, meu bem, que vocês apelidaram aquele amigo?
Isso era na sexta série, antes de eu andar com a vanguarda do jornalismo político.

+++

Ontem o psicanalista disse: como dizia Lacan, a carta sempre chega ao destinatário.

+++

Sonhei que eu e ela tomávamos uma casa. Violentas, mutilávamos, cortávamos dedos, expulsávamos as outras. Umas morenas. Um mundo de homens livres pode começar com violência?
E ela me pedia para tirar uma foto: pôr a cara na janela, enquadrar. Era difícil equilibrar, mas eu sabia que a polícia viria. Havia sangue no chão. Eu sabia que a polícia viria.
Como num sanatório, voltávamos do banho de sol e piscina, pingando. Mas eu ainda via o sangue no chão.
No outro dia, quando eu roubei um banco, sabia que estava sendo flagrada. Meu nome de suspeita nas páginas do jornal, só o meu. Eu não vou escapar.